5 anos depois: as consequências da pandemia na Educação

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Um olhar específico sobre o conjunto de mudanças que ainda permeiam o ensino mesmo após meia década da emergência sanitária

Era uma quarta-feira comum como todas as outras. Ou ao menos assim parecia. Mas no dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde declarava a pandemia de COVID-19, e com isso uma série de consequências. O que antes pareciam 15 dias excepcionais se converteram em meses de isolamento social, incluindo as salas de aula. Mas algumas coisas nunca mudaram, e certas consequências da pandemia na educação continuam mesmo após 5 anos, tanto negativas quanto positivas.

Para além da área profissional e de todos os outros aspectos alterados de nossas rotinas, a ideia de uma sala lotada no contexto de uma doença infecciosa transmissível por gotículas aéreas era inimaginável. De imediato, uma das primeiras consequências da pandemia na educação em todo o mundo foi a suspensão das aulas presenciais.

Algumas instituições de ensino, mais bem preparadas, habilitaram o modo de educação à distância de imediato. Outras somente suspenderam as atividades, mas foram obrigadas a retomá-las remotamente, já que os 15 dias se converteram num período muito maior. A partir disso, se iniciou uma corrida para a melhora no ensino remoto de modo antes nunca vista.

Mas as consequências da pandemia na educação foram muito além. Elas passavam pela falta de acesso à equipamentos digitais, à conexão de internet bando larga, as questões financeiras, econômicas e sociais. Muito foi devidamente resolvido na correria, e outros “ganchos” continuaram, com graves prejuízos na aprendizagem.

No entanto não houve só problemas. Historicamente, quando a humanidade passa por grandes desafios, ela dá saltos em desenvolvimento tecnológico e social. E isso aconteceu também na área educacional, com novas metodologias e formas de ensino que continuaram mesmo depois da emergência sanitária.

É com o olhar específico para as consequências da pandemia na educação de forma permanente é que buscamos juntos a docentes e especialistas as realidades, tanto boas como ruins, que ainda permeiam o campo educacional, mesmo após 5 anos desse fato histórico que marcou uma geração.

1. Saúde mental

Dos diversos problemas que vieram em conjunto com a pandemia, a crise de saúde mental foi um dos maiores deles. Desde os primeiros momentos das restrições sanitárias, especialmente da “quarentena”, as primeiras queixas foram relacionadas ao

bem-estar psicológico. As consequências profissionais e financeiras da pandemia também colaboraram fortemente para isso.

Em 2022, a Organização Mundial da Saúde divulgou um relatório em que mostrava o aumento na prevalência de casos de ansiedade e depressão em 25% em todo o mundo. Essa crise de saúde mental foi sentida também de modo especial nas instituições de ensino, que perceberam um aumento do estresse entre estudantes e docentes.

Uma pesquisa feita em parceria da Secretaria de Educação do estado de São Paulo com o Instituto Ayrton Senna, também em 2022, mostrava que 2 em cada 3 estudantes do ensino público do estado apresentavam queixas relacionadas à saúde mental. Uma outra pesquisa da Universidade Federal da Bahia (UFBA) com cerca de 509 alunos da graduação mostrava que 78,6% deles tinham algum desconforto mental.

O pedagogo e docente do Centro Universitário UniFACTHUS, Bruno Pereira, concorda que o isolamento social provocou o aumento de doenças mentais já antes conhecidas pela comunidade escolar, mas não em níveis tão elevados quanto os verificados hoje. Para ele, isso prova o quão importante é a interação social no processo de aprendizagem. Atuante tanto no ensino superior quanto fundamental, ele sente isso em todos os ambientes.

“Há alguns dias uma colega docente de uma turma com alunos em torno dos 5 anos se queixava de percebê-los muito imaturos, e eu destaquei que esses alunos dela são hoje as crianças que nasceram na pandemia. São alunos que passaram entre dois e três anos isolados”, argumenta.

Para reverter esse quadro, as instituições de ensino devem estar atentas aos sinais de estresse e adoecimento tanto entre alunos quanto entro professores, e incluírem a Educação Socioemocional em suas abordagens pedagógicas. É um trabalho longo e difícil de recuperação que não deve ser minimizado ou menosprezado.

2. O ensino à distância

Antes de 2020, havia uma forte aposta pela expansão da educação à distância por parte de muitos especialistas e instituições de ensino, mas nada realmente comparável ao cenário atual. A ideia inicial era a de que, aos poucos, com a expansão da modalidade e o êxito na formação de estudantes e profissionais, nos converteríamos de maneira gradual ao ensino remoto.

Mas a pandemia mudou o cenário de forma abrupta. Se antes era opcional estudar e lecionar remotamente, naquele momento já era “obrigatório”. A desconfiança que muitos tinham da eficácia desse modelo acabou sendo colocada a prova de maneira muito mais abrangente e inesperada, e a expansão do EaD é uma das maiores consequências da pandemia na educação.

Toda essa emergência já era sentida quando o Censo da Educação Superior de 2021 mostrava um crescimento de 474% de cursos universitários à distância na década anterior. Era óbvio, no entanto, associar esses resultados impressionantes com o período imediatamente anterior, já que a pandemia se iniciou em 2020. Mas os índices se sustentaram nos anos seguintes.

Já no Censo da Educação Superior de 2023 – o mais recente divulgado até agora – houve uma retração de 49 mil vagas presenciais no ensino superior brasileiro, ao mesmo tempo que um crescimento de mais de 600 mil remotas. O resultado foi um crescimento de mais de 700% na década anterior. Ainda de acordo com os dados, os cursos de licenciaturas são esmagadoramente remotos, ultrapassando os 80%.

Tal cenário mostra que os estudantes e docentes vêm adotando fortemente a modalidade a distância, seja de forma total ou híbrida, e com isso há novos desafios para o campo educacional, já que ao facilitar o acesso à educação de qualquer ponto com conexão à internet, vencemos distâncias e desafios estruturais e logísticos imensos, num país gigante e desigual.

No entanto é sempre importante entender que uma nova modalidade de ensino também requer outros focos de atenção, como a eficácia dessa formação, a disciplina e colaboração dos alunos, assim como as novas abordagens pedagógicas. Estar em sala de aula é diferente de estar em um ambiente virtual, para todos os envolvidos nesse processo de formação.

Para o professor do Centro Universitário UniFACTHUS, Roberto Campos, a familiarização com ferramentas digitais é um aspecto muito positivo que a pandemia deixou no ensino. “Enriqueceu o processo educativo como um todo. Tanto alunos quanto professores tiveram que desenvolver habilidades digitais tecnológicas que, hoje em dia, ambos dificilmente conseguiriam ficar sem”, explica.

O pedagogo Bruno Pereira também concorda como ponto positivo a adoção de ferramentas digitais antes não amplamente utilizadas, mas para ele as vantagens, com a flexibilização do ensino como ponto destaque entre as consequências da pandemia na Educação. Nesse sentido, também houve o desenvolvimento da autonomia dos alunos no processo de aprendizagem.

“Muitos alunos desenvolveram essa habilidade de maior autonomia na aprendizagem naquela época, e que continua até hoje. Eles tiveram que aprender a gerenciar melhor o seu tempo, naquele momento que o estudo não tinha a supervisão direta do professor”, expõe.

3. Acesso à tecnologia

O ensino à distância não existe sem conexão à internet, e portanto o acesso à tecnologia, conexão e dispositivos digitais está diretamente relacionada à expansão do ensino remoto. Mas isso não era simples no início da pandemia, e logo os problemas surgiram.

No início, o questionamento era por onde as aulas se dariam. Assim, ferramentas como o Google Meet, Zoom, e o Microsoft Teams, que antes tinham caráter ainda experimental para a maioria dos educadores, se tornaram imediatamente fundamentais. Outras ferramentas para auxiliar na dinâmica das aulas também foram incorporadas com rapidez.

“Quando a pandemia começou, eu trabalhava numa pasta da secretaria municipal de educação, na diretoria de ensino aqui da cidade, e foi tudo muito complexo porque nós não achávamos na literatura nada semelhante. Tivemos realmente que reinventar”, diz Bruno.

Além da questão das ferramentas e metodologias a se adotadas, os educadores esbarravam ainda num velho problema do país: a desigualdade no acesso a serviços. Com uma diferença socioeconômica tão acentuada, professores e estudantes com melhores condições financeiras tinham melhores dispositivos tecnológicos e acesso à internet, enquanto os mais pobres agonizavam.

Esse abismo no acesso às tecnologias afetava diretamente o rendimento dos alunos, num país que tem como forte missão garantir o acesso à educação de qualidade para vencer a forte desigualdade de renda. Não garantir esse acesso significaria, automaticamente, retroceder um trabalho de décadas de esforços da educação brasileira.

O cenário desafiador foi muito aliviado pelos esforços conjuntos de professores, alunos, responsáveis e autoridades governamentais para garantir esse acesso. Com o fim da pandemia, muitos também retornaram ao presencial, o que aliviou parte dessa tensão. Mas como a tecnologia na educação pós-pandemia evoluiu para a inclusão de ferramentas digitais de forma irreversível, o acesso à tecnologia se tornou ainda mais relevante no ambiente educacional.

Dados do IBGE mostram que em 2023 92,5% das residências brasileiras tinham acesso à internet banda larga, variando entre fixa e móvel. No entanto enquanto nas áreas urbanas o acesso era de 94,1%, e na área rural era de 81%. Há também algumas diferenças entre as regiões do país, embora sejam pequenas. Mas a desigualdade de acesso entre o campo e a cidade está diminuindo, saindo de 40% em 2016 para 13,3% em 2023.

“Agora é muito importante trabalhar para reduzir as desigualdades de acesso”, explica o professo Roberto Campos. O encontro desse cenário com a incorporação de novas tecnologias de forma permanente, como a chegada da inteligência artificial no ensino, requer também uma reflexão mais aprofundada da comunidade escolar sobre como utilizar melhor esses recursos, de acordo com o especialista.

“Não tenho dúvidas de que a pandemia nos ensinou muito sobre resiliência e adaptação. O desafio agora é encontrar um equilíbrio entre os benefícios das inovações tecnológicas e a importância das interações presenciais”.

Mas o professor Bruno Pereira é um pouco menos otimista. Para ele, ainda há grande desigualdade de acesso a tecnologia, e isso a pandemia deixou marcas profundas na

educação do país, como a desfasagem escolar, em que parte dos alunos não recuperaram os prejuízos dos conteúdos perdidos, e a evasão escolar, já que muitos deles perderam o vínculo com a escola.

“Alguns estudos e as próprias avaliações do Ideb nos mostram que houve sim um retrocesso na aprendizagem, principalmente nas redes de educação que não se preocuparam em ter um plano claro e efetivo de recomposição dessas aprendizagens no pós-pandemia”.

Por outro lado, ainda falando em tecnologia, ele destaca que, por parte dos docentes, um ponto positivo foi a capacitação de professores para o ensino digital. “Até então nós não tínhamos essa capacitação, e com o cenário da pandemia isso mudou”.

4. Sobrecarga aos docentes

Muito se fala sobre a saúde mental dos alunos no pós-pandemia, e a importância da inclusão da Educação Socioemocional no currículo escolar, mas pouco se fala sobre as saúdes mental e física dos docentes. Afinal, os grandes responsáveis pela implementação das mudanças no ambiente de ensino foram eles.

Esse cenário em que os professores tiveram que se adaptar a uma rotina completamente diferente, prestar suporte de maneira árdua e ainda atuar muitas vezes tanto na modalidade presencial quanto remota provocou uma grande sobrecarga sobre os docentes, que é citada tanto pelo professor Roberto quanto o professor Bruno.

Para o professor Bruno, além dos esforços da adaptação ao ensino remoto, muitos professores também arcaram como os custos financeiros dessa nova modalidade de ensino. Já Roberto explica uma combinação de fatores que precarizaram o trabalho do docente na pandemia e que permanecem até hoje.

“Já testemunhei vários casos de sobrecarga docente. Os professores têm lidado com dupla jornada de trabalho, combinando presencial e virtual, e uma forte pressão por resultados e demandas por atualização constante em tecnologia. Isso tem levado a casos de síndrome de burnout e crises de ansiedade”, destaca.

Esse panorama apresentado pelos professores coincide com os números apresentados por diversos estudos sobre o tema. Em uma pesquisa de 2023 realizada pelo Ipec e feita com docentes brasileiros, cerca de 71% deles se diziam estressados. Um outro estudo da Unifesp mostra que cerca de 1 a cada 3 professores tem queixas e sintomas de esgotamento.

Para especialistas, o caminho para uma melhora no cenário da qualidade laboral e de vida como um todo dos docentes passa pela conscientização do problema por parte da instituições de ensino. Nesse sentido, é preciso reconhecer a existência do problema, conhecer as queixas dos professores, dar um suporte maior aos profissionais e entender que a saúde mental no campo educacional envolve a todos, e não somente os alunos.

Mas os professores também conquistaram algo muito bom. Para Bruno Pereira, na pandemia se iniciou algo que se manteve até hoje: a valorização do protagonismo do professor no cenário escolar. “As famílias e as comunidades puderam perceber o quão impactante é a função de um professor na vida de um aluno. Os pais perceberam isso, e eu acho que começou aí um movimento de valorização docente importante”. (Texto: Bruno Corrêa – Assessoria de Comunicação Ecossistema BRAS Educacional)