Alta Habilidade e Superdotação: os desafios para a educação

checkmate-black-king-chess-board-success-concept (1)

Pessoas com AHSD tem necessidade específicas, e as instituições de ensino precisam se adaptar para acompanhá-las

Ter habilidades de aprendizagem, interpretação e inteligência superiores à média pode parecer a receita ideal para de destacar em qualquer instituição de ensino, mas essa não é bem a realidade das pessoas com Altas Habilidades e Superdotação (AHSD). Com características intelectuais e cerebrais diferentes da maioria – também chamadas de neutoatipicidade, e uma série de comportamentos e sintomas que acompanham essas pessoas, lecionar para esses estudantes pode ser desafiador.

Para além das eventuais comparações com gênios como Albert Einstein, nem toda pessoa com altas habilidades e superdotação consegue resolver questões matemáticas como uma calculadora. Na realidade, pessoas com AHSD podem ser ruins em exatas, ou mesmo não apresentar o rendimento adequado nessas matérias. Isso acontece porque as altas habilidades podem se manifestar somente em alguma área específica, ou mesmo porque o ambiente escolar não proporciona estímulos suficientes que o sujeito se destaque.

Nascer em um mundo não preparado para sua realidade pode ser frustrante, e a instituição de ensino muitas vezes faz parte desse contexto de inadaptação. Por isso não é raro que pessoas com altas habilidades tenham péssimo rendimento escolar. Mesmo existindo legislação específica que garanta a inclusão dessas pessoas na educação, ainda há fortes gargalos na educação brasileira no sentindo de acolher e adaptar o ambiente de ensino para pessoas com AHSD.

De acordo com a Mensa, sociedade de pessoas alto quoeficiente de inteligência (QI), presente de 50 países, incluindo o Brasil, cerca de 2 a cada 100 pessoas tem AHSD. No entanto, a mesma instituição lista aproximadamente 2600 pessoas no Brasil com essas características, o que está fortemente distante do número provavel de mais de 4 milhões de pessoas com essa característica. O Ministério da Educação tem um número um pouco maior: são mais de 26 mil pessoas mapeadas em todo o território.

Mas os números podem variar bastante considerando que as altas habilidades não necessariamente significam um alto quociente de inteligência (QI), mas sim a uma série de características que fazem com que essa pessoa tenha um potencial de aprendizagem superior, e que inclusive não incluem somente áreas de matéria escolar, mas também altas habilidades artísticas, esportivas, comportamentais e de relacionamento.

Há inclusive especialistas que alertam para os riscos dos testes de QI para diagnóstico de pessoas com altas habilidades, já que o teste seria insuficiente e impreciso para identificar

esses sujeitos. Muitos pesquisadores entendem que outras características são necessárias e mais precisas para identificar a AHSD, inclusive de comportamento e perfil psicológico.

Mas se já há tanta discussão nas áreas de identificação das altas habilidades, há ainda maior questionamento sobre as abordagens educacionais a serem tomadas em relação a essas pessoas. No entanto, há um consenso entre educadores, psicólogos, psiquiatras e neurologistas de que, como uma neurodivergência, essas pessoas merecem atenção e acompanhamento especializados.

É nesse sentido que a Lei de Bases e Diretrizes da Educação (LDB), o Plano Nacional de Educação (PNE) e o Política Nacional de Educação Especial reconhecem pessoas com altas habilidades como pessoas que necessitam de educação especial, com acompanhamentos específicos, e estabelecem uma série de direitos para esses alunos, entre eles o Plano Educacional Individualizado (PEI) e o Atendimento Escolar Especializado (AEE).

Além disso, alunos com altas habilidades tem por direito prioridade na matrícula escolar, e, se for o caso, a aceleração do ciclo escolar, para que possam finalizar as matérias antes do tempo convencional. Porém, essas não são as únicas medidas necessárias para acompanhar estudantes neuroatípicos.

Mais que rendimento escolar

É do senso comum imaginar que a dimensão intelectual de pessoas com altas habilidades é que define essas características, mas a verdade é que os superdotados vão além. Há muitos especialistas inclusive que rejeitem o termo superdotado, por entenderem que ele está muito relacionado ao teste de QI, e considerarem isso ultrapassado.

A verdade é que existem muitas outras características por detrás das altas habilidades. Para alguns estudiosos, talvez a criatividade seja o ponto central desse perfil. As habilidades de pessoas com AHSD e seu desempenho acadêmico são variados, mas é uma característica comum a todos seu alto grau de inventividade e originalidade. E daí que surgem a facilidade para liderança e a boa resolução de problemas.

A psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da UniBRAS Rio Verde, Simone Pereira, explica que “altas habilidades ou superdotação são termos utilizados para identificar pessoas que tem uma inteligência acima da média, tanto em uma determinada área como em várias delas”. Ela aborda que há pessoas que se destacam em inteligência numérica, verbal, espacial, corporal, interpessoal e intrapessoal, entre outras.

Para a especialista, é preciso acompanhar de perto essas pessoas, tanto por elas quanto pela sociedade. “São pessoas consideradas especiais, pois podem ser o futuro tecnológico e científico do país. Por isso necessitam de tratamento especial desde o ensino básico”.

Outras características comuns a pessoas com altas habilidades e superdotação são distúrbios do sono, já que eles tendem a dormir menos. Também tem um senso aguçado de

justiça e uma forte necessidade de questionar regras sociais. Isso costuma levar a gargalos no relacionamento interpessoal, o que pode ter consequências imediatas nas relações sociais. Ao não se sentir encaixado na sociedade, a pessoa pode se sentir isolada e ter prejuízos no desenvolvimento pessoal e distúrbios como ansiedade e depressão.

Existem abordagens pedagógicas capazes de auxiliar que pessoas com altas habilidades e superdotação sejam acompanhadas de forma adequada nas instituições de ensino, e consigam êxito na aprendizagem e fora do ambiente educacional, seja profissional ou pessoal. O direito ao adiantamento de matérias – e até mesmo de anos escolares – que possam acompanhar o devido desenvolvimento do aluno é garantido por lei, por exemplo.

Para além dessa possiblidade, professores de alunos com altas habilidades podem ainda enriquecer o processo de aprendizagem dessas pessoas, para quebrar o ciclo de tédio que muitas vezes elas se encontram. Promover uma rotina mais atrativa e dinâmica por meio de metodologias ativas é uma opção, além de escutar ativamente e acolher esses estudantes, inclusive no emocional. É nesse sentido que a educação socioemocional é peça-chave.

O pedagogo e docente da UniBRAS Digital, Rafael Moreira explica que muitas vezes a família já percebe essas características em casa e relatam isso à escola, mas também há casos em que se percebe os primeiros sinais no ambiente escolar. “Um dos pontos mais expressivos é a capacidade de aprendizagem e a facilidade em criar coisas, algumas características relevantes”, diz.

No entanto, existem casos de adultos que nunca foram diagnosticados, e não receberam a atenção especial necessária. Em muitos casos como esses, a pessoa com altas habilidades e superdotação pode até não ter tido um bom histórico acadêmico, e isso afetar seu desempenho profissional.

Para Rafael, é importante que a instituição de ensino esteja atenta para compreender o comportamento dessas crianças e dar subsídios estimuladores para que haja desenvolvimento e respeito ao aluno. Segundo o docente, o professor deve observar e se integrar junto aos demais alunos para que não haja defasagem no aprendizado e nas questões sociais.

Ele alerta que, no caso das crianças, é importante também acolher as famílias para que elas estejam integradas na evolução do aluno. Nesse caso, o Plano Educacional Individualizado (PEI) é um artifício importante no acolhimento dos pequenos com altas habilidades.

“O PEI é um ótimo instrumento, mas deve ter capacitação para seu uso, uma vez que ele não é um documento padrão, e é necessário saber quais são os itens colaborativos para poder construir um diagnostico inicial e um olhar mais proximal do aluno, respeitando as suas particularidades e criando estratégias pedagógicas que gerem êxito”.

O também pedagogo e docente do centro universitário UniFACTHUS, Bruno Inácio, é enfático em esclarecer que a situação do sistema educacional brasileiro é de forte

inadequação para acolher pessoas com altas habilidades e superdotação. Atuante também na educação infantil, ele diz que já presenciou casos em que não há qualquer aporte da Secretaria de Educação do munícipio para lidar com situações específicas.

Para o educador, quando se fala em educação especial na atual realidade das instituições de ensino, geralmente se remete automaticamente a casos de dificuldades de aprendizagem, e raramente a casos de altas habilidades, mesmo que essas pessoas tenham direito a assistência especial garantidas por lei.

“Eu finalizei recentemente uma especialização em educação especial, e mesmo nesses cursos é nítido na maioria das vezes que a carga horária quase que total é destinada às dificuldades de aprendizagem, e não as altas habilidades”, conta. Ele explica que no geral as escolas mal conseguem atender os alunos com dificuldades, quem dirá os habilidosos.

Bruno também argumenta que há muitas outras características de pessoas com altas habilidades que vão além da questão específica do rendimento escolar, como o perfeccionismo e a autocobrança exacerbados. Assim, é importante que as instituições de ensino estarem preparadas para identificarem essas pessoas, algo que é muito falho na atualidade.

“Por esse motivo eu resolvi fazer a pós em educação especial, o que pouco resolveu. Mas serviu para eu perceber que é necessário um movimento muito amplo para esse suporte, pois de nada adiantam as leis se na prática não temos formação e condições de trabalho com essas pessoas”.

(Texto: Bruno Corrêa – Assessoria de Comunicação Ecossistema Bras Educacional)