Número de diagnósticos tardios de autismo cresce, exigindo preparo de instituições de ensino
Para quem não tem profundo conhecimento sobre o tema, parece difícil imaginar que uma pessoa que nunca teve limitações fortes durante seu crescimento, passou pela fase dos estudos, teve sua entrada no mercado de trabalho sem grandes problemas, formou família e tenha uma vida tida como “normal”, possua algum distúrbio no desenvolvimento. Mas para a surpresa de muitos, os diagnósticos de adultos com autismo tem se tornado cada vez mais comuns.
É interessante pensar que, apesar do aumento na conscientização sobre o autismo, o assunto é esmagadoramente direcionado à crianças, e fala-se pouco sobre a condição na fase adulta. Para além do fato de que crianças obviamente crescem, o fator de que antes não havia uma atenção quanto à neurodivergência fez com que muitos autistas chegassem à fase adulta sem diagnóstico. E hoje, esses adultos com autismo têm o desafio de lidar com os sintomas, buscarem tratamento e desenvolverem seu autoconhecimento já tardiamente.
Afetando 1 a cada 160 crianças, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o autismo é um distúrbio neurológico que reúne desordens desde o início da infância, permanecendo assim por toda a vida. A ONU, no entanto, estima que, entre todas as faixas etárias, existam cerca de 70 milhões de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em todo o mundo, algo em torno de 1% da população. Mas muitas delas não são diagnosticadas, o que dificulta esses dados. O Censo brasileiro de 2022 foi o primeiro a coletar informações sobre a população autista no país, mas os dados ainda não foram divulgados.
Um dos primeiros aspectos em se falar sobre autismo é lembrar que ser neurodivergente é um espectro. Isso significa que cada uma dessas pessoas com autismo tem suas características e necessidades específicas, diversificando também o tratamento. Para além disso, é importante entender que existem níveis diferentes do distúrbio, e por isso cada um pode necessitar de um grau de assistência distinto do outro. É nessa zona cinza que muitos adultos com autismo se veem perdidos, e precisam aprender a se entender.
É evidente, no entanto, que na maioria das vezes esse adulto com autismo está inserido no nível mais brando da neurodivergência. É que enquanto muitos autistas podem ter sintomas mais fortes e perceptíveis, necessitando de uma assistência maior, aqueles que não tem fortes manifestações de autismo acabam podendo passar despercebidos por pais e professores. Além disso, muitos deles criam o “masking”, termo utilizado por especialistas para definir um conjunto de características que o indivíduo desenvolve como mecanismo de superação de sintomas.
O psicólogo e docente da UniBRAS Montes Belos, Pedro Augusto, explica que, na maioria das vezes, esse adulto com autismo não diagnosticado costuma ter sintomas mais voltados às interações sociais, tendo uma comunicação mais desafiadora, com dificuldades de compreensão de pistas sociais e de interpretação, como por exemplo a comunicação não verbal. Ele ressalta, no entanto, que é importante estar atento ao fato de que não falta à essas pessoas sensibilidade ou empatia, como é comumente propagado.
“É comum a pessoa ser taxada de anti social, mas na verdade esse comportamento está relacionado às dificuldades de interação. Por isso tentamos sempre fugir de estigmas. É comum também existirem dificuldades com maior sensibilidade, por exemplo, a sons, toques ou estímulos novos que sejam diferentes a essa pessoa.”, explica o especialista.
Ele relata também que, geralmente, esse adulto com autismo também apresenta uma resistência a lidar com coisas novas, como mudanças de rotina. Muitos deles inclusive tem dificuldade em explicar esses sentimentos, já que não foram ensinados a reconhecê-los. Por isso, parte importante do tratamento para crianças com autismo é justamente estimulá-los a reconhecerem seus sentimentos, inclusive como demonstrá-los. Isso também acontece com adultos que têm o diagnóstico tardio.
Pedro também argumenta que o diagnóstico é importante para trazer mais qualidade de vida aos adultos com autismo. Para tanto, deve ser feito em conjunto com um médico psiquiatra e um psicólogo, que fariam testes e avaliações psicológicas.
“A primeira ideia é que o diagnóstico ajude o indivíduo a compreender alguns comportamentos. É muito comum encontrar na clínica pessoas que foram estereotipadas por toda a vida, e isso traz sofrimento. É importante para que se entenda o que acontece consigo mesmo, suas dificuldades no dia-a-dia”.
Após essa fase inicial, o profissional de Psicologia pode trabalhar junto a esses adultos com autismo para aumentar seus repertórios sociais, afetivos e de relacionamentos. Isso porque muitos deles nunca tiveram a oportunidade de aprender a lidar com seus sentimentos e frustrações, e o diagnóstico reserva essa possibilidade. Objetivo é fazer com que essa pessoa seja feliz. E esse atendimento é muito individualizado, já que cada um tem sua história e seu conjunto de comportamentos.
“Para aqueles que tenham dúvidas sobre a possibilidade de ter autismo, é importante que se busque um profissional, para que juntos eles possam trabalhar essas demandas”, diz.
Ensino
No campo educacional, adultos com autismo podem ter necessidades especiais, e por isso precisam de acompanhamento. Isso porque cada aluno é afetado pelo autismo em diferentes aspectos. De acordo com a Lei Berenice Piana (12.764/12), é garantido aos autistas o direito à educação (especializada se necessária), à proteção social, trabalho e igualdade de oportunidades.
Esse acompanhamento, seja para crianças ou adultos com autismo, é sempre individualizado, como explica o pedagogo e docente da UniBRASÍLIA EaD, Rafael Moreira. Ele relata que, em seus anos de profissão, já atuou com crianças com diagnóstico fechado, e também com crianças em averiguação do distúrbio. Também já atuou com alunos adultos no ensino superior.
“No caso das crianças, é importante que a escola tenha o PEI, que é o Planejamento Escolar Individualizado. Ali se faz uma anamnese de quem é esse aluno como um todo, e a partir daí são traçadas possibilidades de atuação, tanto do professor com aluno, como também da parte da família com esse estudante. Esse documento é um instrumento normativo que contribui para a formação. Porque para receber uma criança, é necessário conhecê-la, não só ter o diagnóstico”, argumenta.
Ele explica ainda que muitas vezes essa criança nem tem um diagnóstico, e é justamente na escola que se percebem indícios do autismo. Nesse sentido, é importantíssima a contribuição da família no processo, já que há muitos casos em que os cuidadores negligenciam a condição. É justamente por meio do PEI que é prestado o atendimento individualizado e humanizado que essa criança tem o direito, por lei.
No caso dos adultos, a instituição de ensino superior também tem o dever de prestar assistência e realizar todas as adequações necessárias para prestar atendimento a esse adulto com autismo.
O docente conta que teve uma aluna no ensino superior que tinha algumas questões atreladas à socialização. Num primeiro momento, ela tinha um sentimento de rejeição da aula e aos outros alunos, saindo da sala com muita frequência. Após alguns encontros, percebeu-se a necessidade de adequação.
“Fomos entendendo a dinâmica dela. Ela tinha um bom desenvolvimento em relação à nota, e um bom comprometimento cognitivo com determinadas atividades, mas precisou dessa orientação e acompanhamento. No caso dela não houve alteração curricular, porque entendemos não ser necessário, mas houve uma adequação de comportamento, para fazer com que ela ficasse em sala e interagisse, respeitando suas particularidades”.
(Texto: Bruno Corrêa – Assessoria de Comunicação Ecossistema BRAS Educacional)